quarta-feira, 10 de março de 2010

Bachiana n°5 ou A história de um orgasmo.

Saiu de casa com o MP3 ligado, a nuca brincando de escorrega com a última gota que o cabelo guardara do banho. Saiu pela cidade, saiu de casa toda de branco, saiu pra academia. As ruas arborizadas do seu bairro de rica e ela travavam um diálogo mudo e sem fim, falando a língua secreta da beleza, das belezas, de tudo aquilo que é incompreensivel por ser luz. O dia era um daqueles nublados entre aspas pois que todo coberto de nuvens, mas de nuvens tão finas que eram filtro de uma luminosidade prateada, seca, elétrica. Ela indo pra academia.
No caminho, pensou. Pensou em dinheiro, em gente, em aparelhos eletrônicos, em notícias de jornal, em bebídas alcoólicas, em futuras viagens marítimas ao exterior, na peça ruim em cartaz, no trabalho, no marido, na empregada, na bancada de mármore de sua cozinha, num circo que assistira quando criança, em números de celular, em números de loteria, em números, em certo poema sentimental de uma autora do interior, na receita da revista, em roupas de baixo mais confortaveis que as que estava usando, em meninos de rua.
Ela pensou a maior parte do tempo em certo sabor novo de sorvete que ainda não provara. Melão com pêra. Os passantes que tentavam apreender toda a sua beleza esbarravam justamente nisso. Que uma parte da beleza dela vinha desse melão com pêra que só se advinhava dentro de sua cabeça pensante. Que era o segredo do seu tornozelo úmido ganhando a extensão da calçada da avenida. Eles ficavam só naquela roupa branca, naquela sugestão de transparência que era em sí já o melhor dos sabores de sorvete, mas não era tudo. Eles se davam por satisfeitos, os passantes. Ela, ela só pensava nessas coisas todas.
Até que a música do MP3 mudou, e mudou radicalmente. Não mais o pop, a salsa, o tango rock blues samba axé funk ou os as cantigas de roda. Os seus fones de ouvido atacaram de "Bachiana n°5", aquela mais famosa do Villa-Lobos. (taaaan, tan tan tan tan tan tan taaan tarantantan) E ela descobriu o mundo outra vez.Descobriu naquela coisa que via uma dança, uma ondulação épica que só não tomava o mundo por que é como se desde o príncipio já o fosse, mas ela só agora descobrira. Descobriu que o mundo em sí é apenas a representação viusal da bachiana n° 5, como um grande video-clip. Ela viu tudo dançar.

Os acionistas, as administradoras, os bombeiros, as babás, os canalhas, as crioulas, os dementes, as dançarinas, os engraxates, as estivadoras, os feirantes, as filiólogas, os grumetes, as garis, os homossexuais, as homossexuais, os idiotas, as investidoras, os joões-ninguem, as jogadoras de bridge, os loucos, as letristas de canção popular, os marinheiros, as médicas, os negros, as nadadoras, os obreiros, as osteopatas, os professores, as prostitutas, os quase-nadas, as quase-tudo, os repentistas, as roupeiras, os sacerdotes, as sociólogas, os tintureiros, as trocadoras, os urologistas, as umbandistas, os visionários, as velhas, os xiitas, as xerifes, os zagueiros, as zebras.

Tudo dançou pra seus ouvidos, mas dançou com a suavidade de quem já estava dançando antes, sem ser percebido.

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