segunda-feira, 26 de abril de 2010

"Primeira estrela que eu vejo...

... Quero te fazer um pedido. Eu tenho uma coceira que me da na hora do banho bem naquele ponto das costas que as unhas não alcançam, estrelinha, faza coceira passar, por favor, ou pelo menos me arranja um galho, se bem que galho tem de monte eu devia ter pensado nisso antes, melhor mesmo é você emagrecer a minha mãe, que quanto mais gorda mais brava ela fica e eu não aguento mais tanta porrada, tanto castigo, tanto zumzumzum no meu ouvido. Primeira estrela que eu vejo, estrelinha, eu tenho uma vó que está morrendo na cama, coitada, com dor em tudo que é canto e esquecida de tudo, esquecida até de que não pode dizer nome feio, ela aprendeu nome feio com o meu avô, traz o meu avô de volta, faz minha vó melhorar, faz ela esquecer dos nomes feios... Primeira estrela que eu vejo, dá um dinheirinho? Um dinnheirinho que não precisa ser muito, só pra um cinema, um refrigerante, uma ida pras putas, me faz conhecer as putas, faz as putas pararem de existir que elas são é sujas, estrela, sujas! Um dinheirinho pra consertar a minha gaita, pra botar um freio novo na bicicleta, primeira estrela, eu quero uma bicicleta nova com vinte oito marchas, de alumínio, com olho de gato, buzina, selim de silicone e suporte pra garrafinha d'água, eu quero conhecer Deus, eu quero um dinheirão que nasça debaixo da minha cama, transborde das gavetas de roupa (faz sumirem as roupas feias!), entre pelos vãos da janela e dos buraquinhos das tábuas do chão do meu quarto. E a paz no mundo. Primeira estrela que eu vejo, eu não quero nada, só a paz no mundo, a paz com todo mundo de roupa branca cantando o dia todo uma música de comercial de natal sem parar pra nada, só pra comer. Só a paz no mundo, estrela, a paz no mundo e o coração daquela loirinha que senta na minha frente na sala de aula. É que aqueles olhinhos verdes, estrela..."

Indiferente e distante, o boeing continuou seu voo pelo entardecer aveludado.O engano do garoto na cidadezinha não foi injustificado: é verdade que as luzes do avião assim tão acesas davam mesmo a impressão de uma estrela quando vistas de longe. Lá dentro, sem saber que estavam na barriga de uma estrela e que ali estavam depositados tantos desejos, cento e poucas pessoas dormiam ou olhavam pela janela. Na barriga da estrela, todos aguardavam sem desejar ou temer o instante de pousar e seguir adiante as suas vidas, andando, respirando e morrendo quase sem perceber.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Soneto a Vinicius de Moraes

Devemos todos nós algo a Vinícius.
Que foi, de nossos flertes e paqueras,
Por vezes até incógnito, deveras,
Fornecedor de versos e artifícios.

E ele muito deve ao deus Eros
E aos líquidos transpirados por baco
Pra reanimar o já tão gasto e fraco
Soneto, de aspectos tão austeros.

Sereno e jovial tal qual um grego,
Vinícius, o invocador de Orfeu,
Fez sua polis no bar Vilarino.

Poeta musical, como se cego,
Vinícius saciou, quando escreveu,
Dos versos o desejo dançarino.

sábado, 17 de abril de 2010

Soneto Do Amor Entre Mulheres















Permita-se este canto impertinente
De um poeta em estado de desvario,
Deslumbrado ao ver este duplo cio
Que no amor só entre moças há presente.

É este amor íntimo que elogio
Eu, que, sem conhecê-lo, julgo urgente
O pouso da mão impúbere e quente:
Onde é suposto um falo acha um vazio.

Tortura-me a completa ignorância
Do gosto que há num beijo feminino
Que eu sempre iria destruir na ânsia
De ali incluir minha barba, libertino.

Razão de eterna intriga é a substância
Do amor entre mulheres, pra um menino.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

A gente precisa encontrar a gente

Às vezes filosofias
Às vezes poeminhas
Nascem meio por acaso.

O título desse poema
É de um gringo em copacabana
Tentando aprender a dizer
"A gente precisa se ver".