quarta-feira, 31 de março de 2010

Benzinho,

Essa lasca
Do que fomos
Nós dois

É a casca
Do que seremos
Depois.

terça-feira, 30 de março de 2010

Os Maus Poetas

Juntem-se a eles, meus ditos malditos,
Sumam no meio desses maus-poetas
Que riem na rua em seus rudes ritos
Zombando em êxtase dos estetas.

Tornem-se discursos subjetivos,
Morram de excessos e falta de voz,
Nascam de novo, meus versos, sem crivo,
Como o rei dionísio de todos nós.

Entrem nas veias desses maus poetas,
E de seus poemas tornem-se ecos.
Semeiem sintáxes analfabetas.

Esqueçam a lâmina e os termos secos
Da minha triste linguagem dileta
E vão dançar samba pelos botecos.

domingo, 28 de março de 2010

aos dentes.










O número trinta e três
Sai dos lábios do paciente
Quando o doutor quer saber
Se ele está mesmo doente.
Mas dentro de sua boca
Só moram trinta e dois dentes.
Desses trinta e dois só quatro,
Os quatro afiados caninos,
São entes de fato mordentes.
Os outros são dentes pesados
Dentes largos e dolentes.

Por isso é que quatro meninos
Insolentes e franzinos
Chamaram-se a sí de "os.dentes"
Pra rasgar com suas presas
As almas presas na gente
Sangrar em mordida rente
A parte da gente que sente
Que o som é um ser vivente.
(E mais o som de um dente
Quando bate noutro dente).

Por isso eu, poeta mordido
(Trago a marca ainda no ouvido)
Pelo som da banda "os.dentes",
Acabei por decidido
A escrever este repente.
Aos dentes, o meu presente.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Londrinense



Uma fumaça fez ele chorar na gravata
Não o fog londrino
(Noite úmida e invaginada
Em cujas reentrâncias tudo termina em reticências)
Não o fog londrino industrial

É que em Londrina não há fog
Há o ar respirável das ruas planejadas
Os vãos largos
Da cidade otimista
Conglomerados de nada
Pontos de exclamação.

A fumaça que o faz chorar é o refogado da empregada.
Cheiro melhor do mundo,
Característico de sua mãe italiana.

domingo, 21 de março de 2010

Paraty

Ânima unânime e pusâmine
Da nossa doce herânça ipanemense.
Tua praia não tem dunas nem montanhas
Então também é baixada e também é fluminense.
A cabeça adormece mas o corpo ainda pela
E sai, de noite, pra assistir um filme de favela.
Ói ela, ói ela, ói ela! Esqueça!
O Tóla tá lá! (Lata d'água na cabeça)
A câmera, a câmara, o senador camará
Alvíssaras ao alvo, o alvejante alvará
A chique tropa de choque chacoalha e chora na hora do chá
O lado de la cala do lado de cá do lado de lado de lá

Eu prefiro cantar para ti
Eu prefiro cantar Paraty

Paraty é mais perto daqui do que bangu
É mais perto do que Nova Iguaçu
É mais perto que a américa do sul
É mais perto que ogum e que exu
É mais perto de sí do que de tu
Paraty é mais perto
Que esse peito aberto e nu.

08/10/2009

logo depois de asistir o bizarro filme "dancing with the devil", um olhar estrangeiro sobre a questão do narcotráfico no rio.

terça-feira, 16 de março de 2010

No Estômago da Noite

Ouvi um rumor na escada.

Mas se aqui não tem escada...
Que porão é esse
Que me acaba de nascer?
Que é do cimento?
Da crosta, do manto, do núcleo...

Ouvi um rumor na escada.

Será, quem sabe,
Um rumor que vêm de um sótão
-Também inédito-
Que tomou o lugar do céu?
Será Deus fazendo algazarra?
Será...

Rumor na escada!

Coisas existenciais.
Existências.
Subjetivismo de poeta lírico desdobrando-se em degraus feito certos livros infantis...
E, ainda mais,
Degraus que rangem,
Que polifônam,
Que polifornicam,
Tinta mais preta e fresca.
Signo do desconhecido
Nessa vida térrea.
Pretensamente térrea.

Rumornascada.

Até onde vai
O descaso dos governantes
Com a malha metroviária?
E com os trajetos das aeronaves?

Nhec.

Serial Killer?
Ancestral que retorna?
Gato emparedado?
O próprio -salve!- Poe?
Nada!
Nada!
Nada!
Peça
Pregada...


Ouviste um humour na escada.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Bachiana n°5 ou A história de um orgasmo.

Saiu de casa com o MP3 ligado, a nuca brincando de escorrega com a última gota que o cabelo guardara do banho. Saiu pela cidade, saiu de casa toda de branco, saiu pra academia. As ruas arborizadas do seu bairro de rica e ela travavam um diálogo mudo e sem fim, falando a língua secreta da beleza, das belezas, de tudo aquilo que é incompreensivel por ser luz. O dia era um daqueles nublados entre aspas pois que todo coberto de nuvens, mas de nuvens tão finas que eram filtro de uma luminosidade prateada, seca, elétrica. Ela indo pra academia.
No caminho, pensou. Pensou em dinheiro, em gente, em aparelhos eletrônicos, em notícias de jornal, em bebídas alcoólicas, em futuras viagens marítimas ao exterior, na peça ruim em cartaz, no trabalho, no marido, na empregada, na bancada de mármore de sua cozinha, num circo que assistira quando criança, em números de celular, em números de loteria, em números, em certo poema sentimental de uma autora do interior, na receita da revista, em roupas de baixo mais confortaveis que as que estava usando, em meninos de rua.
Ela pensou a maior parte do tempo em certo sabor novo de sorvete que ainda não provara. Melão com pêra. Os passantes que tentavam apreender toda a sua beleza esbarravam justamente nisso. Que uma parte da beleza dela vinha desse melão com pêra que só se advinhava dentro de sua cabeça pensante. Que era o segredo do seu tornozelo úmido ganhando a extensão da calçada da avenida. Eles ficavam só naquela roupa branca, naquela sugestão de transparência que era em sí já o melhor dos sabores de sorvete, mas não era tudo. Eles se davam por satisfeitos, os passantes. Ela, ela só pensava nessas coisas todas.
Até que a música do MP3 mudou, e mudou radicalmente. Não mais o pop, a salsa, o tango rock blues samba axé funk ou os as cantigas de roda. Os seus fones de ouvido atacaram de "Bachiana n°5", aquela mais famosa do Villa-Lobos. (taaaan, tan tan tan tan tan tan taaan tarantantan) E ela descobriu o mundo outra vez.Descobriu naquela coisa que via uma dança, uma ondulação épica que só não tomava o mundo por que é como se desde o príncipio já o fosse, mas ela só agora descobrira. Descobriu que o mundo em sí é apenas a representação viusal da bachiana n° 5, como um grande video-clip. Ela viu tudo dançar.

Os acionistas, as administradoras, os bombeiros, as babás, os canalhas, as crioulas, os dementes, as dançarinas, os engraxates, as estivadoras, os feirantes, as filiólogas, os grumetes, as garis, os homossexuais, as homossexuais, os idiotas, as investidoras, os joões-ninguem, as jogadoras de bridge, os loucos, as letristas de canção popular, os marinheiros, as médicas, os negros, as nadadoras, os obreiros, as osteopatas, os professores, as prostitutas, os quase-nadas, as quase-tudo, os repentistas, as roupeiras, os sacerdotes, as sociólogas, os tintureiros, as trocadoras, os urologistas, as umbandistas, os visionários, as velhas, os xiitas, as xerifes, os zagueiros, as zebras.

Tudo dançou pra seus ouvidos, mas dançou com a suavidade de quem já estava dançando antes, sem ser percebido.

terça-feira, 9 de março de 2010

LONGE II

Poema encontrado na caixa "romantismos escondidos no sótão. Cuidado, tóxico"

"Não temos, nós dois, afinal
Nenhum sinal de vida
Por que aí não pega sinal
E sem tí não vivo, querida!"

segunda-feira, 8 de março de 2010

Longe I

Longe assim, pequeninha,
Eu posso me perguntar:
Quantas bocas tens, mocinha
Cem, quarenta ou só um par?

Quantos olhos em seu rosto?
É no rosto que eles ficam?
Onte o teu nariz é posto?
Onde teus peitos embicam?

Como, aliás, que são teus peitos...
São da cor da tua pele
Ou se pintam de outro jeito?
Esse verde, roxo aquele...

Pernas, patas ou tentáculos
Te sustentam nesse chão
(Ou um outro sustentáculo
Até asas, por que não)

Como, enfim, que és inteira
Fronte, costas e perfil.
Afrodite ou quimera,
Toda uma ou feita em mil?

Diz-me logo, seja berve
Que indo pra tão distante
Algo teu você me deve
Foto, instantâneo, instante...

Mas sem rastro teu, sem nada
Não há lógica ou norma
Que à memória desvairada
Lembre sempre a tua forma.

Repito, pra enfatizar:
Uma foto, um instantâneo, um instante...
Ou, para facilitar
Volte logo, o quanto antes.

domingo, 7 de março de 2010

Balada do cadaver















I

Está posto o cadáver
Numa simples cova rasa,
Mais feliz e mais saudável
Que em sua velha casa.

A essa sua casa antiga
Dava-se o nome "alma",
Teto só de angústia e briga
Contrastante com a calma

De sua nova condição:
Serníssima e feliz
De enterrado sem caixão
Corpo só, sem ter verniz.

Todo em comum com a terra
Só certezas, seiva e paz
Seu haver em sí se encerra
Depois disso é nada mais.

II

Enterrado em cova rasa
Vai virando a própria cova
Abandonando a velha casa,
Para tornar-se a nova.

Existe como matéria
Que é divina: não tem fim.
A alma, a casa velha
Não é tão eterna assim

Pois que agora ele é tudo
Só matéria imolesta
Ele é o osso que é escudo
E é os vermes em festa

A alma, este lar inviso,
O diabo que a carregue!
O corpo é que é o paraíso,
E a sí mesmo está entregue.

quinta-feira, 4 de março de 2010

O PRIMEIRO DIA (baseado numa conversa com o professor Hugo Pinheiro)

Acordou com o rádio despertador tocando um velho sucesso. Sem abrir o olho, levou o dedo até o botão e desligou o aparelho, exatamente um instante antes da música durar o bastante para acordar sua mulher, que dormia encolhida no outro lado da cama. Só então levantou-se com o esforço característiico dos cheios de sono e colocou, sentando-se na cama, os pés descalços no chão do seu quarto escuro. Uma das únicas luzes, o letreiro digital do despertador informava que eram 6:20 da manhã. Ele se levantou, já desabotoando o pijama, e foi em direção ao banheiro, arrastando os pés.

Em segundos a luz do banheiro e a água do chuveiro inundaram seu corpo nu, permitindo que se visse que ele era um homem com sinais inequívocos de estar entrando na velhice. Seus olhos abertos miravam desinteressadamente os azulejos do banheiro, de cor bege, enquanto suas mãos faziam cega e acostumadamente o trabalho de pegar o sabonete e ensaboar-se, pegar o shampoo e passar nos cabelos grisalhos e ralos e etc. No final de tudo, ele desligou o chuveiro e pescou com a mão a toalha que o esperava fora do box. Secou-se. Em outros tempos, faria com desenvoltura a manobra de apoiar-se num pé só para poder secar o outro, coloca-lo fora do box, apoiar-se nele e secar o que ainda restara molhado. Agora saiu andando pelo banheiro chapinhando o chão com seus pés molhados e sentou-se na privada para seca-los.

Ao postar-se em frente ao espelho para escovar os dentes, deteve-se um instante para contemplar seu rosto, como fazemos quase todos nós diante do próprio reflexo. Os pensamentos que lhe passaram foram, como são os pensamentos, pouco sucetíveis a descrições, mas certamente envolviam a velhice que lhe chegava. O momento passou e foi sucedido pelo outro, absolutamente sem anormalidades, de escovar os dentes. A mão que não se ocupava dessa tarefa segurava a toalha precariamente enrolada em torno da sua cintura.

Ao sair do banheiro não se preocupou em apagar a luz, pois aquele facho contribuia para que a mulher acordasse, ela que já se contorcia de leve enquanto o rádio relógio dava as notícias do trânsito matinal, marcando em seu letreiro o horário de 6:35. Andou algo ruidosamente até o seu armário e já começou a escolher, antes de abri-lo, as roupas que iria usar.

A mesa do café o encontrou ainda de peito nu, era esse o cuidado que tinha com suas camisas, para não mancha-las de mel ou leite. Já estava, no entanto, com suas calças de cor cinza, que mesmo velhas preservavam certa aura respeitavel graças aos tratos extremosos que recebia do dono, ao usa-la, e da esposa do dono, ao lava-la. Ele comeu um pão com manteiga, tomou um copo de leite sem café, chupou uma laranja e levantou-se. Saiu andando em direção ao seu quarto e sua camisa. O jornal que estava do outro lado da porta da rua permaneceu intocado. O horário do trabalho não lhe permitia leituras matinais, apenas no final do dia.

Saiu de casa, e quem o visse saindo não advinharia em sua boca o recente beijo estalado dado pela esposa. O peso da pasta que carregava quase não era sentido pelo braço, que ja se acostumara absolutamente com ela. O velho retângulo de couro e seu conteúdo eram como que uma continuação do seu corpo. Checou no outro pulso o seu relógio, para conferir se eram realmente 6:55. Eram. Seguiu andando, subindo a calçada que aos poucos se tornava mais visivel conforme o sol subia e a iluminava. Sua boca começou a assoviar a melodia com a qual o rádio despertador o acordara. Um velho sucesso do seu tempo.

Sem que ele visse, embora o soubesse, em sua casa o rádio despertador marcou 7:00 quando ele finalmente parou de andar e chegou no ponto de ônibus. Parou sem se sentar, muito embora um rapaz uns tinra anos mais novo, vestido com roupas parecidas com as suas e segurando um pasta parecida com a sua, tivesse apressadamente se levantado para lhe ceder o lugar.

-O meu já está vindo - Disse apenas. Nem um minuto depois ele e o rapaz viram surgindo no horizonte o ônibus que, pela numeração, era o que ele pegava todos os dias, desde muitos anos, para ir ao trabalho. Sem que ele fizesse sinal o motorista parou, saudou-o com um sorriso e abriu a porta do ônibus. Ele não moveu um passo. Pela primeira vez seu olhar perdeu o ar mortiço que tinha desde o momento que acordara de manhã. Para a absoluta incredulidade do motorista e do jovem ao seu lado, ele disse, quase gargalhando:

-Hoje eu não vou!.

Hoje ele não iria. Não dirgiu mais a palavra ao motorista nem ao rapaz. Tampouco tornou a vê-los em qualquer momento de sua vida. Apenas virou seu corpo cento e oitenta graus e voltou a caminhar em direção de casa, para ler seu jornal e aproveitar o primeiro dia de sua aposentadoria.

terça-feira, 2 de março de 2010

consumismo

Comprou um carro, afinal,
Ao invés de uma viagem.
Um presente de natal
Trocado pela embalagem.