terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

ROLANDO


Por que se alegram todas as partes?
É que tá rolando um Barthes...

A maravilha mais pura
É o estudo da estrutura
Do grande Roland Barthes.
Rolando em papos de bares
E em cada uma das artes.
Viva, Rolando Barthes!

Rolando assim pelos ares,
Rolando e virando bola
O artista, o leitor e seus pares
Aglutinados com cola.
Com a força de muitos mares
Rolando pela escola

Dos ideais torpes e tortos
Dessa elite despótica.
Acordando os semi-mortos
Com a clareza da sua ótica.
Na câmara clara, absorto
No estudo da semióica.

Sendo, ao vivo e a cores
Uma Aula que o mundo herda.
Melhor que seus detratores,
Melhor que toda essa merda,
Defendendo afetos e amores
À esquerda da esquerda

Feito um prédio de Niemeyer
Sua beleza não se trai:
Sobressai-se em alvura
Pois mais que mero ornamento
Ela é feita de cimento.
Ela é pura estrutura.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Desabafo.

Está no "globo de hoje" que vão demolir um teatro japonês de 400 anos, que ainda hoje apresenta peças tradicionais japonesas e é popular e concorrido. No lugar dele, é claro, vão erguer um arranha-céu.
A primeira coisa que me chama a atenção na notícia é a capacidade de pessoas que este velho teatro comporta: 2000 indivíduos sentados. DUAS MIL PESSOAS. Pensem vocês nos teatros que temos aqui no rio de janeiro, quantos chegam a comportar a metade disso? Quantos, dentre esses poucos mastodontes que temos, lotam?
Pesquiso um pouco mais para tentar entender o por que da popularidade deste teatro no japão (antes de tentar entender o fato muito mais complexo que é ademolição de um estabelecimento como esse) e leio um pouco sobre o estilo de peça encenado lá. São peças quase dançadas, cheias de "convenções" visuais que permitem a platéia entender o que se passa, como se houvesse um alfabeto de códigos sub-entendido entre palco e platéia. Os enredos são simples e repetitivos e os figurinos são suntuosos e coloridos. A experiência teatral do japonês é em tudo diversa da nossa ocidental (atual) e por isso mesmo dificil de compreender para nós. Para eles, uma peça é um ritual, não lhes é importante ser surpreendido no enredo, a "onda" é entrar num espaço com outras 1999 pessoas mais os atores e dar vida a uma realidade diversa à nossa. Além disso há a questão do tempo. Como para os japoneses há algo de religioso no teatro, eles não se importam em romper com o tempo corrido da tókio cosmopolita (o tempo moderno do instantâneo) e passam até NOVE horas dentro do teatro, assistindo duas peças com, cada uma, quatro horas e meia de duração. Como acontecia na tragédias gregas, com a diferença que lá os teatros chegavam a comportar a quantia de 56.000 pessoas.
Percebo que a tendencia ocidental de criar uma dramaturgia de peripércias e dramas pessoais se dá no mesmo momento em que os teatros começam a se tornar salas cada vez mais irritantemente menores, chegando ao insuportavel ponto que vivemos hoje, em que vinte ou vinte cinco intelectuais metidos a besta vão ao teatro ouvir a verborragia intelectual de um outro intelectual metido a besta, com a diferença que este último está todo de preto. No lugar do ritual, a "reflexão". No lugar da vivência, o "distanciamento". E a questão do tempo, também é diferente. Na medida em que convencionou-se que um filme deveria durar entre uma hora e meia e duas horas e quinze, alguém decidiu que as peças teriam que seguir o mesmo rumo, já que mais que isso torna o teatro "pouco palatavel". Arruinou-se o ritual, criou-se um bem de consumo vendável, mastigável, engolível e excretável.
Pois agora querem, lá no japão, demolir o Kabui-za, esse teatro imenso e bacana, reduto do espírito dionisíaco. Os mega-empresários envolvidos argumentam que dentro dos arranha-céus háverão outros teatros, e são indiferentes aos apelos dos verdadeiros entendidos na arte, que dizem que é impossivel realizar a técnica do Kabuki em um palco que não tenha sido preparado para tal, e que esse em específico é o melhor, maior e mais antigo dentre todos.
Isso me faz lembrar do teatro casagrande que, na década de setenta, era reduto de todos aqueles que não concordavam com o regime ditatorial que censurava as manifestações artísticas que ocorriam no brasil. Isso deu ao teatro um "rosto", fazendo com que ali fossem encenadas peças de protesto, peças esteticamente inovadoras e tornando-o também a "casa grande" de diversos debates sobre temas políticos artísticos e sociais. Trinta anos depois um shopping botou tudo isso abaixo e construiu um outro teatro lá, intieiramente novo mas mantendo o nome. Hoje, o teatro OI Casagrande é referência no Rio de Janeiro em cópias insossas dos musicais da broadway e a "casa' ficou pequena para caber a subversão e as revoluções estéticas.
Tenho medo de esse ser o destino do Kabuki-za. Enqunato hoje em dia as apresentações lá ocorrem com as luzes acesas e o público grita durante a peça inteira, em frenesi com as atuações de seus atores preferidos, todos de familias tradiocionalmente teatrais e profundamente integrados a comunidade, receio daqui a alguns anos ter notícias de que as platéias estão escuras e silenciosas como as nossas, assistindo a algum drama subjetivo qualquer, provavelmente com trilha sonora da broadway.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

TRANSPARENTE- Quarta-feira de cinzas

De homens e mulheres, as vítimas da sua boca
Ela não guardou mais que um vulto indistinguível.
Deu-se inteira a Baco e o velhaco deu-lhe em troca
No fio de sua vida um centímetro invisível.

Se houve prazer ou se foi tédio e violência
O corpo não diz, não guarda tapas nem carícias.
Mais do que brancura, sua memória é transparência:
Baco, exausto, foi-se, sem pedir ou dar notícias.

Ela encara opaca um opaco azulejo
Enquanto se cobre com a água do chuveiro.
Força sua memória, que lhe é indiferente.

Por algum motivo lhe sumiu todo desejo,
Que ou foi satisfeito ou desgastou-se por inteiro.
Ela sai do banho, coberta de transparente.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

DOURADO - Poema de um mal que acometeu o poeta.

Há uma goma em minha boca, certa pasta
De cor talvez que branca, um branco espesso.
Talvez uma borracha atroz que nunca gasta,
Sempre intermedária entre o leite e o gesso.

A cada termo dito eu sinto que ela engrossa
A mandíbula se move com certa dificuldade
Receio que dentro em pouco tempo eu já não possa
Dizer as coisas compreensíveis que entendo por verdade.

Fica aqui esse registro, já um pouco atravancado,
Que há desejo de ser límpido por trás desse chiclete.
Que não é proposital esse discurso tão melado
Mas é o que me permite esse meu mal que não derrete.

Há desejo de ser límpido, translúcido e dourado.
Há desejo de ser lente por onde tudo se veja
Mas há em mim um monstro espesso e esbranquiçado
Como assim uma espuma há por cima da cerveja.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Burguês que o pariu

Esses dias me chamaram de burgês. Esses dias me disseram, pra ser mais exato, que eu vinha de uma família burguesa, e usaram como argumento o fato de eu preferir morar numa casa confortável do que viajar. Embora desde o princípio a coisa toda tenha me parecido descabida, fui tomado por um sentimento de desconforto que me levou a refletir (não sem alguma investigação) sobre essa palavra "burguesia" e a forma como seu sentido mudou ao longo da história. Não escrevi esse texto movido por um sentimento de rancor, que fique claro, pois a situação que o propiciou se deu em um clima de grande camaradagem, mas pelo meu inconformismo em relação ao fato de uma palavra ter um deslize de sentido mais veloz que nossa capacidade de refletir sobre ele.
Do começo.
Segundo "El diccionario de la real academia española" (o dicionário mais próximo de mim no momento) a palavra burgo vem do alemão "burg", e indica as fortalezas medievais onde aconteciam feiras, durante o período de reimplantação do dinheiro. Burgueses eram os que iam na feira vender algo. Ao longo da história o significado foi se expandindo até abranger dentro do conceito de "burguês" todo aquele que possuia e explorava alguma forma de capital que fosse além de sua capacidade de trabalho. Só pra chegar até aí eu creio que já estejamos lá pelo século XVII ou XVIII.
Em meados do século XIX, quando aconteceram grandes revoluções trabalhistas (graças a uma imensa revolução tecnológica), surgiu o socialismo, forma de pensar que culminava com a a ascenção do proletariado ao poder. Como nesta época o poder estava com os burgueses, estes foram encarados como O INIMIGO, e a palavra finalmente adquiriu a conotação negativa que possui até hoje. É importante que não percamos de vista, no entanto, que ela continuava classificando o mesmo grupo de indivíduos, os donos e exploradores do capital.
As décadas se sucederam, o século XX nasceu e se desenvolveu, e em todas as partes do mundo em que o socialismo não triunfou surgiram outras formas de contra cultura visando defrontar-se com o sistema capitalista, não tanto pelo viés econômico, mas principalmente por uma abordagem relativa a mudança de hábitos e costumes. Para esses grupos (ex.: os hippies) era preciso principalmente mudar o cotidiano, e então eles se aproriaram da nomenclatura socialista para chamar de burguês todo aquele que fosse de alguma forma conservador, ainda que não fosse dono de seu próprio capital e muito menos vendesse qualquer coisa na feira.
Mais tempo se passou, outra revolução tecnológica aconteceu, e os parâmetros mudaram. Grandes grupos de contra-cultura deixaram de existir por que a própria cultura hegemônica se fragmentou com o advento da internet e o reinado da informação sucedendo o reinado do dinheiro. Tornou-se praticamente impossivel apontar algo efetivamente de vanguarda, pois mesmo os hábitos antes considerados contra-culturais foram absolvidos (e absorvidos) pela grande massa amorfa que caracteriza os costumes dos dias de hoje. A palavra "burguesia", então, tornou-se vazia de sentido e herdou do século XIX apenas uma vaga carga pejorativa desassociada de qualquer caráter crítico, tornou-se um mero xingamento com o qual se pode atacar alguém. É ridiculo que se entenda por mais ou menos burguês alguém que prefira viagens a conforto ou vice versa, quando o que acontece é que a palavra já é apenas a réplica sonora de uma outra mais antiga, essa sim com um significado razoavelmente definivel, ainda que distendível e modulavel como qualquer outro. Chamamos alguém de burguês da mesma forma que gritamos "puta que pariu!" sem querer passar a idéia de uma prostituta parindo, interessados na mera "força" ofensiva que a expressão adquiriu.
Concluida a minha reflexão (eufemismo para masturbação intelectual) faço um pequeno aparte autobiográfico para dizer que não posso ser chamado de burguês nem no sentido primitivo do termo, pois sou assalariado e filho de funcionários públicos, e não possuo nenhum tipo de capital, nem mesmo ações no mercado. Obrigado a quem tiver lido, peço que quem tenha saco comente e prometo para breve retornar com os poemas, que eu sei que são melhores do que isso aí que eu escrevi agora.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O Contador de Histórias

Hoje é dia de falar de um artista único, que conscientemente ou não ocupa um lugar no imaginário de todos nós. Ele, ao contrário de muitos outros grandes da sua geração, foi na contra-mão das tendências e decidiu buscar a ADEQUAÇÃO ABSOLUTA ao meio comercial, decidiu fazer-se entender de forma quase instintiva por seu público e foi recompensado entrando para sempre no imaginário mundial como o artista que captou exatamente o espírito do país mais poderoso do mundo. Ele conseguiu desenvolver uma linguagem inconfundivel sem precisar se valer de instalações, materiais inusitados e artificialismos: suas únicas armas eram nossos velhos conhecidos: pincel, tinta, lápis e tela... E sua plataforma para o mundo era a capa de uma revista de imensa circulação nos Estados Unidos da primeira metade do século. Falo aqui, claro, do fantástico homenageado do Google de hoje, o pintor Norman Rockwell.

Rockwell é o artista americano por excelência, se pensarmos tanto no seu conteúdo quanto em sua forma. Sendo assustadoramente eficiente na técnica realista de retratar com fidelidade corpos e cenários, atribuia a seus personagens rostos infantis que tornavam uma não-identificação com o público quase impossivel. Preciso e palatavel, como a boa arte americana. Como um George Gershwin (que bebeu nas águas do blues e do jazz para temperar sua música "erudita") Rockwell indubitavelmente pesquisou, para realizar seu trabalho, a obra dessa mídia de massa tão desvalorizada na época que eram os quadrinhos. Isso enriqueceu tanto a arte sequencial, que certamente se valorizou e pode desembocar-se na figura de um Will Eisner (aliás outro mestre que merece um post) quanto o próprio pintor, que descobriu que o realismo puro, por mais que seja agradavel a olhos acadêmicos, não poderia prosperar no século XX que se iniciava, pois não tinha apelo popular. E Rockwell não aprendeu só isso. Algumas de suas obras SÃO inegavelmente arte sequencial. Esta, por exemplo: www.bromattsblog.files.wordpress.com/2006/10/gossip_norman_rockwell1.jpg



Mas não adianta que eu tente puxar a sardinha de Rockwell para a minha mídia predileta que é a da história em quadrinhos. Rockwell não precisa disso, pois sua maior virtude, aquilo que o torna único e grandioso, é a capacidade de contar histórias em apenas UM único quadrão. Prato cheio para estudos semiológicos, ele é capaz de colocar em sua pintura elementos que nos induzem a não apenas supor, mas imaginar fotograficamente a história que aconteceu para culminar naquele ponto. Na verdade, o que vemos é apenas o fim de alguma trama em que talvez a parte mais interessante já tenha passado, e é revivida em nossa cabeça a cada vez que "lemos" o quadro. Na "Homecoming Marine", por exemplo, nós a principio apenas vemos um soldado conversando com alguns mecânicos. Nada demais, a princípio. Um olhar mais atento revelará uma notícia de jornal pregada na parede que fala de um certo Joe, mecânico que virou herói de guerra, e esse Joe é ninguem menos do que o soldado que estamos vendo. Ou seja, na verdade a cena que estamos presenciando é um reencontro de amigos. A bandeira que o soldado segura é uma bandeira oriental, o que nos permite adinha também onde foi essa guerra. Finalmente, dentro do campo da subjetividade, podemos entender pela expressão de cada rosto retratado o teor da convesa que se está tendo. Uma crônica, portanto, reduzida ao seu essêncial, o máximo de concentração narrativa possível... obra de gênio. E ainda por cima tratando de um tema de interesse nacional, uma cena quotidiana que deveria estar se repitindo por todo os Estados Unidos naquele final de guerra da Coréia. Poderia citar dezenas de outras capas feitas pelo artista que possuem a mesma capacidade mágica de concentrar toda uma narrativa compreensivel, coesa (e por vezes engraçada, fabulística, crítica, moralizante...) em um único instante congelado de tempo, mas é mais prático e honesto que eu coloque aqui o link para o seu site oficial, onde há varias pinturas e gravuras suas disponiveis. www.rockwelllicensing.com/nr_gallery.html

Desde a prosa inovadora de Edgar Allan Poe até a técnica milimétrica dos roteiristas de Hollywood, os americanos são mestres inimitaveis na arte enganosamente simples de NARRAR. São, como fazem questão de mostrar no filme do americano símbolo que é Forrest Gump, os "Contadores de Histórias" por excelência. E, nessa galeria, Norman Rockwell ocupa lugar de destaque, Para ser apreciado como pintor e lido como o grande cronista que foi.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

AMARELO - O Sol

Comparado ao ser que é vivido
O vívido é sempre mais belo.
Nosso sol, perfeito e elindo,
Só sintetiza hidrogênio e helio.

Poderia ter outras substâncias
Como a terra, que é filha sua
Que, tola e cheia de ânsias,
Possui Noventa e duas.

Poderia viver experiências
Sintetizando lítios,
Possuindo tons e essências,
Multi-colorido e vítreo.

Mas sabe que nada é tão lindo
Quanto seu absoluto amarelo
E sabe, sobre ser vivido
Que ser vívido é sempre mais belo.