sexta-feira, 21 de junho de 2013

VINTE DE JUNHO ou PRIMEIRO DE ABRIL ou PRESIDENTE VARGAS ou OITO MOMENTOS


Dedicado a Ilan Vale


MOMENTO UM: Subo a escada do metrô da Uruguaiana, sem entender nada. Onde eu esperava uma passeata de protesto, se desenrola um videotape da Marcha com Deus Pela Liberdade. Milhares e milhares de pessoas enroladinhas em bandeiras do Brasil descem a Avenida Presidente Vargas ("Vamos passear na floresta escondida, meu amor") entoando cânticos contra a "baderna" e a "corrupção". Nenhuma catarse ou sentimento de pertencimento pra mim ali, somente o estômago afundando alguns centímetros diante da massa ordeira e feliz desfilando em frente ao fascinante edifício mezzo alemanha fascista/mezzo gotham city do Ministério da Guerra. Olham feio para a minha camisa, de um movimento de esquerda associado à campanha do Marcelo Freixo. Uma loirinha linda, toda de verde e amarelo, que eu paquero com os olhos desde que eu cheguei, começa a gritar ao homem de coturno que guarda o prédio do ministério: "Ei, soldado! Vem pro nosso lado". Nauseado, me afasto. Como nunca satisfaria a tara da loirinha por homens de uniforme, decido procurar a sorte algures.

MOMENTO DOIS: Encontro Marcelo Betz. Pouco depois, encontramos um amigo dele, que nos conta a história mais estranha: militantes do PA (Partido dos Apartidários) haviam entrado em conflito com integrantes do PP (Partido dos Partidários), exigindo que estes abaixassem suas bandeiras. Parece que chegou a haver briga física. Coincidentemente, na mesma hora sinto emanar um cheiro nauseabundo daquele horroroso canal de cocô humano liquefeito que passa no meio das pistas da Presidente Vargas ("Vamos passear nos Estados Unidos do Brasil").

MOMENTO TRÊS: Chegamos na frente da Prefeitura do Rio de Janeiro no exato instante em que as bombas começam a chover sobre os manifestantes. A maior parte corre na direção contrária em alta velocidade e grande tumulto. Por isso mesmo, me chama a atenção um grupo de quatro ou cinco fortões vestidos de vermelho correndo desarmados em direção à polícia com a clara intenção de confronto. Pensando estar diante da tropa de elite do grupo de esquerda mais true e bad ass da história o Rio, eu me detenho um instante para ouvir o canto que eles entoam:
"Uh! Uh! é jovem Fla! Uh! Uh! É Jovem Fla!"

MOMENTO QUATRO: Ainda próximo da prefeitura, ainda debaixo da chuva de bombas (era dificil fugir, um milhão de pessoas verdes e amarelas são uma muralha e tanto). Súbito, a visão mais bela da noite. Em meio a uma imensa nuvem de gás lacrimogêneo, o bloco do movimento Nada Deve Parecer Natural acalma a multidão em caos tocando a marchinha "Bandeira Branca". Agradecendo ao gás por fornecer uma boa desculpa para as minhas lágrimas, eu me aproximo do grupo pra dizer que eles estão parecendo o quarteto de cordas tocando enquanto o Titanic afunda. Até que novos militantes do PA aparecem com o grito/latido "Au Au Au, isso não é carnaval", interrompendo minha única catarse da noite. Não posso mais, bandeira branca, eu peço paz.

MOMENTO CINCO: A volta pela Avenida Presidente Vargas ("os clarins da banda militar") é rápida e quase sem sustos. Já quase na Candelária, vejo um pequeno grupo de militantes entrar em conflito com um PM em uma transversal. A porrada come razoavelmente longe de mim, mas quando as bombas do PM estouram um dos moleques corre pra perto de onde eu estou. Ele pára no canteiro central da avenida e cata duas pedras portuguesas soltas. Antes que ele corra de volta pro front, eu o detenho: "PORRA, CARA, PERAÍ!". Ele para, vira e me olha sem dizer nada. Descubro que eu também não tenho NADA pra dizer pra ele, nem pras pedras que ele tirou do meio do caminho e pôs na mão. Digo simplesmente um "Não, nada, vai lá..." e deixo ele seguir. Ligo pra minha preocupadíssima mãe avisando que ela e o Sérgio Cabral podem dormir tranquilos: O militante Breno Góes está largando o batente por hoje, e o cidadão Breno Góes vai tomar uma cervejinha e ir pra casa.

MOMENTO SEIS: Quando eu era moleque, Brahma refrescava até pensamento. Fico sentado no meio fio da candelária pensando se o meu (pensamento) é corrompido por eu ser contra passeata contra a corrupção. Razoavelmente refrigerado das ideias eu noto que o grosso da passeata está se encaminhando para Avenida Rio Branco. Fugindo dela eu encontro Ana Clara MacDowell e sua turma, que estão indo com um grupo menor para a Primeiro de Março. Enquanto andamos noto que seu grupo quer continuar os protestos. Antes que eu pudesse me decidir entre voltar ao batente ou me despedir, vemos os escudos do choque descendo a Trinta e Um de Março (perdão, Primeiro de Abril. Aliás, perdão de novo, Primeiro de Março) vindo em nossa direção. Ao nos virarmos para o outro lado, nos vemos cercados por uma outra tropa da mesma distinta agremiação. Células semelhantes descem pelas Ruas  Alfândega e Buenos Aires. Tarde demais, notamos que estamos encurralados nas ruelas que capilarizam-se entre os fundos do CCBB, da Casa França Brasil e do Centro Cultural dos Correios. Pânico e medo generalizados, apertados que estamos como sardinhas na lata. Para se desviar de uma bomba, uma menina do meu lado corre meio sem jeito e esbarra numa vitrine. O vidro se quebra, tornando a menina involuntariamente uma vândala. Vivi minha primeira experiência de regime ditatorial nos bons vinte minutos que passamos dentro daquele recém fundado Estado (de sítio): a República Popular dos Fundos do CCBB. 

Nota mental: Os mineiros escreveram "Em meio a tantos gases lacrimogêneos ficam calmos, calmos, calmos", e eu descubro que isso é um caô sem tamanho. Aquele gás me deixa maluco.


MOMENTO SETE: Homem de Preto, qual é sua missão? Negociamos nossa liberdade, eu Ana e Rodrigo, com uma tropa de policiais (nenhum deles portando identificação) do Batalhão de Operações Especiais, o BOPE. Ele disse que nós poderíamos sair margeando a baía de guanabara (mais cheiro de cocô) passando por debaixo da perimetral até chegar ao Santos Dumont... Desde que deixássemos eles irem na frente, para ver se "não tinha nada de ruim pra lá". Mentalmente, respondi que eles eram exatamente a coisa ruim que a gente temia ter que encontrar lá na frente, então, se eles já estavam ali mesmo, tudo foda-se pra nós. 

MOMENTO OITO: Em casa, no facebook. Amigos fazem comparações que dão medo e calafrios. Dizem que períodos de grande insatisfação popular despolitizada por pautas vazias renderam duas ditaduras a Brasil. Uma pelos milicos, claro, e outra pelo Presidente Vargas ("Debaixo da lama, debaixo da cama").

por: BRENO GÓES

fonte dos versos entre parênteses:
http://www.youtube.com/watch?v=8XjWQ5ETSPk

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