sexta-feira, 27 de agosto de 2010

AAA- Arnaldos Antunes Anônimos

Micro peça em um ato


N°15- Boa tarde gente... Eu sou o N°15, e estou a vinte dias sem fazer um jogo de palavras.

TODOS- Oláá, n° 15.

LÍDER- Conta a sua história pra gente, companheiro. Quer um bom-bom?

N°15- Tá bom

TODOS- Opa, opa!

N°15- Desculpa. Quero. (suspiro). Tudo começou, pra mim, quando eu tava ouvindo "Tocando em Frente", do Almir Sater, e saquei aquele trocadilho com manha/ manhã e massa/ maçã. Coisa leve. Achei bonito, achei que não fazia mal, e naquele mesmo dia escrevi um poema chamado "Carão na cara do cara". Não mostrei pra ninguem, fiquei na dichava. Mas quando o meu irmão achou o poema na minha mesa ele me dou um disco do Zeca Baleiro, disse que tinha a ver...

N°4- (sem conseguir se segurar) Achava que tava na dichava, mas tirou o cavalo da chuva quando acharam a chave...

TODOS- AAAAH

LÍDER- Segurança, tira esse cara daqui!

(confusão. retiram o n° 4).

LÍDER: Pode continuar, foi só um contratempo.

N°15- Bom... Eu comecei a ouvir Zeca Baleiro, né? Eu dizia pra mim mesmo que não tinha nada demais, tem um monte de gente que ouve Zeca a vida inteira sem desenvolver nenhum tipo de vício... Mas no fundo, sentia que era a porta de entrada para coisas mais pesadas. Escrevi um livreto de poemas para ler no sarau da escola que era assim "O babaca/ saca/ a faca/ e ataca/ o panaca/ Que sai/ De maca./ Mitose.

N°12- Putz... Pesado.

N°15- Foi quando um professor percebeu o meu caso e disse que podia me ajudar. Na verdade ele era um traficante do bagulho, tava inserido no movimento, e me deu meu primeiro livro do Arnaldo Antunes. (voz embargada) Daí eu senti que o negócio ficou sério.

LÍDER- Calma! Essas coisas é melhor falar mesmo. Bota pra fora.

N°15- Eu comecei a me afastar dos meus amigos, da minha família... Me entranhei no dadaísmo, comecei a ler os formalistas russos, ninguem mais queria ficar perto de mim. Acho que meu ponto mais baixo foi quando eu vendi o video cassete lá de casa pra comprar uma edição rara da fase concretista do Gullar. Por aí eu já fazia jogos de palavras sofisticadíssimos e percebi que podia sustentar meu vício vendendo eles, mesmo que acabasse viciando outras pessoas.

LÍDER- Você não se sentiu culpado?

N°15- Um pouco. Mas a vontade de consumir poemas concretos e jogos de palavras era mais forte. Meus pais tentaram me ajudar, e me mandaram pra uma micareta na Bahia. No começo eu achei que tinha conseguido voltar ao normal, mas uma noite, depois do show da Ivete eu escrevi isso aqui:

O can ivete
Da
Ivete
Rasga
a
Fresta
e
Faz
R
o
L
a
R
a festa.

Imediatamente eu fui expulso da micareta por excesso de intelectualismo. Nesse ponto eu fui convidado pra cúpula do tráfico de concretismo pelos fodões...

LÍDER- Quer dizer que...

N°15-
Pois é. Eu conheci o Augusto de Campos e o Décio Pignatari. Eu ficava lá na boca lendo as obras deles, foi uma viagem muito louca, parei de conseguir falar sem ser rimado ou dadaísta. Se eu queria um copo d'água pra minha mãe eu falava assim:

"Me dá esse co(r)po
Que tem dentro
Não o coentro
mas essa poça
Moça
Tu
Que tinha dentro
Não o coentro
Mas eu.

Árvore."


Mas a minha mãe nem falava mais comigo... Foi então que um dia o Augusto de Campos me chamou num canto lá e me falou que ia me dar um troço muito pesado, mas que eu ia gostar. E então ele me deu pra ouvir o "Araçá Azul", o disco concretista do Caetano... Bicho, aquilo foi demais até pra mim. Quando o disco acabou foi que eu percebi que aquilo, além de uma merda, era uma droga, e que eu estava viciado e precisando de ajuda. Foi quando eu encontrei os Arnaldos Antunes Anônimos, e percebi que não estava sozinho. Foi como uma luz na noite. (emocionado) Eu só queria dizer que essa é uma luta que a gente vai vencer junto, pessoal, a gente vai superar o nosso vício em poesia concreta. Fora a poesia concreta, essa cocôisa abjeta, ela que não se meta co'a nossa meta! Psicoprotomotriz do infeliz sem verniz, me diz! Agh... Socorro...Sóco Russo Corro, só corro, socorro, só cor, Rô, Socorro!!!!

LÍDER- Guardas!

Um comentário:

  1. hua! vc é ma figura... hoje acordei meio arnaldo antunes também... mas não tão construitivista ou dadaísta...

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