sábado, 20 de fevereiro de 2010

Desabafo.

Está no "globo de hoje" que vão demolir um teatro japonês de 400 anos, que ainda hoje apresenta peças tradicionais japonesas e é popular e concorrido. No lugar dele, é claro, vão erguer um arranha-céu.
A primeira coisa que me chama a atenção na notícia é a capacidade de pessoas que este velho teatro comporta: 2000 indivíduos sentados. DUAS MIL PESSOAS. Pensem vocês nos teatros que temos aqui no rio de janeiro, quantos chegam a comportar a metade disso? Quantos, dentre esses poucos mastodontes que temos, lotam?
Pesquiso um pouco mais para tentar entender o por que da popularidade deste teatro no japão (antes de tentar entender o fato muito mais complexo que é ademolição de um estabelecimento como esse) e leio um pouco sobre o estilo de peça encenado lá. São peças quase dançadas, cheias de "convenções" visuais que permitem a platéia entender o que se passa, como se houvesse um alfabeto de códigos sub-entendido entre palco e platéia. Os enredos são simples e repetitivos e os figurinos são suntuosos e coloridos. A experiência teatral do japonês é em tudo diversa da nossa ocidental (atual) e por isso mesmo dificil de compreender para nós. Para eles, uma peça é um ritual, não lhes é importante ser surpreendido no enredo, a "onda" é entrar num espaço com outras 1999 pessoas mais os atores e dar vida a uma realidade diversa à nossa. Além disso há a questão do tempo. Como para os japoneses há algo de religioso no teatro, eles não se importam em romper com o tempo corrido da tókio cosmopolita (o tempo moderno do instantâneo) e passam até NOVE horas dentro do teatro, assistindo duas peças com, cada uma, quatro horas e meia de duração. Como acontecia na tragédias gregas, com a diferença que lá os teatros chegavam a comportar a quantia de 56.000 pessoas.
Percebo que a tendencia ocidental de criar uma dramaturgia de peripércias e dramas pessoais se dá no mesmo momento em que os teatros começam a se tornar salas cada vez mais irritantemente menores, chegando ao insuportavel ponto que vivemos hoje, em que vinte ou vinte cinco intelectuais metidos a besta vão ao teatro ouvir a verborragia intelectual de um outro intelectual metido a besta, com a diferença que este último está todo de preto. No lugar do ritual, a "reflexão". No lugar da vivência, o "distanciamento". E a questão do tempo, também é diferente. Na medida em que convencionou-se que um filme deveria durar entre uma hora e meia e duas horas e quinze, alguém decidiu que as peças teriam que seguir o mesmo rumo, já que mais que isso torna o teatro "pouco palatavel". Arruinou-se o ritual, criou-se um bem de consumo vendável, mastigável, engolível e excretável.
Pois agora querem, lá no japão, demolir o Kabui-za, esse teatro imenso e bacana, reduto do espírito dionisíaco. Os mega-empresários envolvidos argumentam que dentro dos arranha-céus háverão outros teatros, e são indiferentes aos apelos dos verdadeiros entendidos na arte, que dizem que é impossivel realizar a técnica do Kabuki em um palco que não tenha sido preparado para tal, e que esse em específico é o melhor, maior e mais antigo dentre todos.
Isso me faz lembrar do teatro casagrande que, na década de setenta, era reduto de todos aqueles que não concordavam com o regime ditatorial que censurava as manifestações artísticas que ocorriam no brasil. Isso deu ao teatro um "rosto", fazendo com que ali fossem encenadas peças de protesto, peças esteticamente inovadoras e tornando-o também a "casa grande" de diversos debates sobre temas políticos artísticos e sociais. Trinta anos depois um shopping botou tudo isso abaixo e construiu um outro teatro lá, intieiramente novo mas mantendo o nome. Hoje, o teatro OI Casagrande é referência no Rio de Janeiro em cópias insossas dos musicais da broadway e a "casa' ficou pequena para caber a subversão e as revoluções estéticas.
Tenho medo de esse ser o destino do Kabuki-za. Enqunato hoje em dia as apresentações lá ocorrem com as luzes acesas e o público grita durante a peça inteira, em frenesi com as atuações de seus atores preferidos, todos de familias tradiocionalmente teatrais e profundamente integrados a comunidade, receio daqui a alguns anos ter notícias de que as platéias estão escuras e silenciosas como as nossas, assistindo a algum drama subjetivo qualquer, provavelmente com trilha sonora da broadway.

2 comentários:

  1. Eu leio os seus textos.

    Pode desabafar mais.

    ResponderExcluir
  2. que isso, ainda há shakespeare com o wagner moura, onde todos dormem e aplaudem entusiasticamente

    ResponderExcluir