quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O Contador de Histórias

Hoje é dia de falar de um artista único, que conscientemente ou não ocupa um lugar no imaginário de todos nós. Ele, ao contrário de muitos outros grandes da sua geração, foi na contra-mão das tendências e decidiu buscar a ADEQUAÇÃO ABSOLUTA ao meio comercial, decidiu fazer-se entender de forma quase instintiva por seu público e foi recompensado entrando para sempre no imaginário mundial como o artista que captou exatamente o espírito do país mais poderoso do mundo. Ele conseguiu desenvolver uma linguagem inconfundivel sem precisar se valer de instalações, materiais inusitados e artificialismos: suas únicas armas eram nossos velhos conhecidos: pincel, tinta, lápis e tela... E sua plataforma para o mundo era a capa de uma revista de imensa circulação nos Estados Unidos da primeira metade do século. Falo aqui, claro, do fantástico homenageado do Google de hoje, o pintor Norman Rockwell.

Rockwell é o artista americano por excelência, se pensarmos tanto no seu conteúdo quanto em sua forma. Sendo assustadoramente eficiente na técnica realista de retratar com fidelidade corpos e cenários, atribuia a seus personagens rostos infantis que tornavam uma não-identificação com o público quase impossivel. Preciso e palatavel, como a boa arte americana. Como um George Gershwin (que bebeu nas águas do blues e do jazz para temperar sua música "erudita") Rockwell indubitavelmente pesquisou, para realizar seu trabalho, a obra dessa mídia de massa tão desvalorizada na época que eram os quadrinhos. Isso enriqueceu tanto a arte sequencial, que certamente se valorizou e pode desembocar-se na figura de um Will Eisner (aliás outro mestre que merece um post) quanto o próprio pintor, que descobriu que o realismo puro, por mais que seja agradavel a olhos acadêmicos, não poderia prosperar no século XX que se iniciava, pois não tinha apelo popular. E Rockwell não aprendeu só isso. Algumas de suas obras SÃO inegavelmente arte sequencial. Esta, por exemplo: www.bromattsblog.files.wordpress.com/2006/10/gossip_norman_rockwell1.jpg



Mas não adianta que eu tente puxar a sardinha de Rockwell para a minha mídia predileta que é a da história em quadrinhos. Rockwell não precisa disso, pois sua maior virtude, aquilo que o torna único e grandioso, é a capacidade de contar histórias em apenas UM único quadrão. Prato cheio para estudos semiológicos, ele é capaz de colocar em sua pintura elementos que nos induzem a não apenas supor, mas imaginar fotograficamente a história que aconteceu para culminar naquele ponto. Na verdade, o que vemos é apenas o fim de alguma trama em que talvez a parte mais interessante já tenha passado, e é revivida em nossa cabeça a cada vez que "lemos" o quadro. Na "Homecoming Marine", por exemplo, nós a principio apenas vemos um soldado conversando com alguns mecânicos. Nada demais, a princípio. Um olhar mais atento revelará uma notícia de jornal pregada na parede que fala de um certo Joe, mecânico que virou herói de guerra, e esse Joe é ninguem menos do que o soldado que estamos vendo. Ou seja, na verdade a cena que estamos presenciando é um reencontro de amigos. A bandeira que o soldado segura é uma bandeira oriental, o que nos permite adinha também onde foi essa guerra. Finalmente, dentro do campo da subjetividade, podemos entender pela expressão de cada rosto retratado o teor da convesa que se está tendo. Uma crônica, portanto, reduzida ao seu essêncial, o máximo de concentração narrativa possível... obra de gênio. E ainda por cima tratando de um tema de interesse nacional, uma cena quotidiana que deveria estar se repitindo por todo os Estados Unidos naquele final de guerra da Coréia. Poderia citar dezenas de outras capas feitas pelo artista que possuem a mesma capacidade mágica de concentrar toda uma narrativa compreensivel, coesa (e por vezes engraçada, fabulística, crítica, moralizante...) em um único instante congelado de tempo, mas é mais prático e honesto que eu coloque aqui o link para o seu site oficial, onde há varias pinturas e gravuras suas disponiveis. www.rockwelllicensing.com/nr_gallery.html

Desde a prosa inovadora de Edgar Allan Poe até a técnica milimétrica dos roteiristas de Hollywood, os americanos são mestres inimitaveis na arte enganosamente simples de NARRAR. São, como fazem questão de mostrar no filme do americano símbolo que é Forrest Gump, os "Contadores de Histórias" por excelência. E, nessa galeria, Norman Rockwell ocupa lugar de destaque, Para ser apreciado como pintor e lido como o grande cronista que foi.

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