sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Burguês que o pariu

Esses dias me chamaram de burgês. Esses dias me disseram, pra ser mais exato, que eu vinha de uma família burguesa, e usaram como argumento o fato de eu preferir morar numa casa confortável do que viajar. Embora desde o princípio a coisa toda tenha me parecido descabida, fui tomado por um sentimento de desconforto que me levou a refletir (não sem alguma investigação) sobre essa palavra "burguesia" e a forma como seu sentido mudou ao longo da história. Não escrevi esse texto movido por um sentimento de rancor, que fique claro, pois a situação que o propiciou se deu em um clima de grande camaradagem, mas pelo meu inconformismo em relação ao fato de uma palavra ter um deslize de sentido mais veloz que nossa capacidade de refletir sobre ele.
Do começo.
Segundo "El diccionario de la real academia española" (o dicionário mais próximo de mim no momento) a palavra burgo vem do alemão "burg", e indica as fortalezas medievais onde aconteciam feiras, durante o período de reimplantação do dinheiro. Burgueses eram os que iam na feira vender algo. Ao longo da história o significado foi se expandindo até abranger dentro do conceito de "burguês" todo aquele que possuia e explorava alguma forma de capital que fosse além de sua capacidade de trabalho. Só pra chegar até aí eu creio que já estejamos lá pelo século XVII ou XVIII.
Em meados do século XIX, quando aconteceram grandes revoluções trabalhistas (graças a uma imensa revolução tecnológica), surgiu o socialismo, forma de pensar que culminava com a a ascenção do proletariado ao poder. Como nesta época o poder estava com os burgueses, estes foram encarados como O INIMIGO, e a palavra finalmente adquiriu a conotação negativa que possui até hoje. É importante que não percamos de vista, no entanto, que ela continuava classificando o mesmo grupo de indivíduos, os donos e exploradores do capital.
As décadas se sucederam, o século XX nasceu e se desenvolveu, e em todas as partes do mundo em que o socialismo não triunfou surgiram outras formas de contra cultura visando defrontar-se com o sistema capitalista, não tanto pelo viés econômico, mas principalmente por uma abordagem relativa a mudança de hábitos e costumes. Para esses grupos (ex.: os hippies) era preciso principalmente mudar o cotidiano, e então eles se aproriaram da nomenclatura socialista para chamar de burguês todo aquele que fosse de alguma forma conservador, ainda que não fosse dono de seu próprio capital e muito menos vendesse qualquer coisa na feira.
Mais tempo se passou, outra revolução tecnológica aconteceu, e os parâmetros mudaram. Grandes grupos de contra-cultura deixaram de existir por que a própria cultura hegemônica se fragmentou com o advento da internet e o reinado da informação sucedendo o reinado do dinheiro. Tornou-se praticamente impossivel apontar algo efetivamente de vanguarda, pois mesmo os hábitos antes considerados contra-culturais foram absolvidos (e absorvidos) pela grande massa amorfa que caracteriza os costumes dos dias de hoje. A palavra "burguesia", então, tornou-se vazia de sentido e herdou do século XIX apenas uma vaga carga pejorativa desassociada de qualquer caráter crítico, tornou-se um mero xingamento com o qual se pode atacar alguém. É ridiculo que se entenda por mais ou menos burguês alguém que prefira viagens a conforto ou vice versa, quando o que acontece é que a palavra já é apenas a réplica sonora de uma outra mais antiga, essa sim com um significado razoavelmente definivel, ainda que distendível e modulavel como qualquer outro. Chamamos alguém de burguês da mesma forma que gritamos "puta que pariu!" sem querer passar a idéia de uma prostituta parindo, interessados na mera "força" ofensiva que a expressão adquiriu.
Concluida a minha reflexão (eufemismo para masturbação intelectual) faço um pequeno aparte autobiográfico para dizer que não posso ser chamado de burguês nem no sentido primitivo do termo, pois sou assalariado e filho de funcionários públicos, e não possuo nenhum tipo de capital, nem mesmo ações no mercado. Obrigado a quem tiver lido, peço que quem tenha saco comente e prometo para breve retornar com os poemas, que eu sei que são melhores do que isso aí que eu escrevi agora.

4 comentários:

  1. muito bem meu burguesinho.
    você se explica melhor escrevendo, realmente, entendi o que você queria dizer com o sentido pejorativo da palavra, mas não concordo que seja um mero xingamento como puta que pariu e sim uma palavra, também, com um sentido individual de cada um. Podendo parecer, em margens, com a palavra conservador. Você se sente ofendido com essa palavra?

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. colé burgues
    tenho blog agora tambem

    beijos

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