Morto o sujeito, é costume que se o enterre. Costume ambíguo esse do sepultamento, pois que por um lado visa o ocultamento do que não se quer mostrar (tirar das vistas dos vivos os que já estão putrefando) e por outro consiste numa cerimônia alardeada inclusive no jornal, em que se espera que todos os conhecidos do morto compareçam. O fim da vida é assim um escuso mistério (sempre) mas é também um "festivo" desenlace de uma trama. No enterro, ritualiza-se o fato de que aquele ali já pode ter sua vida lida pelos outros: Já teve principio, meio e fim. O morto, e as coisas finalizadas, em geral, tem algo que aos vivos sempre é negado: a capacidade de exibir simetrias, harmonias, sentidos, caracterísitcas que nós, seres em trânsito, não temos.
O fim, portanto, é necessário pra que se note a beleza da forma. Enquanto uma coisa está acontecendo ela é mais como uma música, série de linhas melódicas que combinam harmonia ou tensão em momentos fugazes, e que tem uma beleza da qual podemos até nos tornar parte (como numa dança) mas nunca poderemos verdadeiramente apreciar com distanciamento. Para que haja esse tipo de prazer, a coisa tem que ter início, meio e fim.
Esse talvez seja um bom consolo para lidarmos (nós, vivos, seres ainda infindos) com a finitude das coisas e até de nos mesmos. É só depois do fim que viraremos beleza apolínea, linha de obra de arte. Dizer, no fim de um relacionamento, que "está tudo bem por que a vida continua" é por certo uma verdade luminosa, mas talvez tão luminoso quanto seja reconhecer que o relacionamento, agora finalizado, cristalizado, deixou de ser música ecoando para virar quadro a ser posto no nosso relicário pessoal. Na sala de estar da alma, podemos alardear "esse é um belo relacionamento que eu tive, e ainda combina com o meu sofá".
Por certo essa coisa de ser brasileiro, indivíduo essencialmente musical, me faz desgostar do fim das coisas, esse fator ordenador. Prefiro o calor amorfo do estar sendo do que o equilíbrio harmônico do foi. Escrevo esse texto (textos são interessantes, tem sempre que ser finalizados) para me adestrar a lidar com essa verdade indiscutivel: As coisas sempre tem fim.
Por outro lado...
Li a um tempão numa National Geographic que, segundo alguns cientistas, até o universo tem fim e tem a forma de um dodecaedro. Isso, longe de ser um triunfo das "coisas terminadas", um triunfo dos mortos, antes mostra a força dos vivos. Explico. Esses mesmos cientistas, se eu li certo, dizem que, se o universo tiver mesmo fim, todas as ondas sonoras produzidas desde sempre estão "emboladas" nas suas paredes, até hoje soando (acho que era por causa do princípio de conservação de energia, mas posso estar falando besteira). Por todas as ondas sonoras eu digo todas mesmo, inclusive as vozes de Jesus Cristo e de Júlio Cesar, o tiro que matou o arqui-duque ferdinando, o som da explosão do krakatoa, o meu primeiro gemido de choro quando eu nasci, um grão de areia friccionando com outro no deserto do Saara e até as teclas desse teclado de computador batendo nesse exato momento. Essas coisas, esses sons, não tem fim nunca, estão lá no fim do universo soando ao mesmo tempo, quem sabe harmonicamente ou talvez como um cluster de piano. Isso é muito louco, e se desautoriza alguns de nós a virem com esse papo de "acabou mas foi bonito", alegra tantos outros que acham que a gente vive não pelo passado, mas pelo estar passando. E daí que todas as coisas estão passando ao mesmo tempo?
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
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Esse texto (terminado) entra na trama dos eternos.
ResponderExcluirtrès terrível.
e o que é o fim senão o começo? depois de tudo o nada... depois do nada, o tudo.
ResponderExcluirPo Breno!!!!!! =)
ResponderExcluirvou copiar e guardar aqui comigo. rs. Alegrou meu dia. Beijão!!